Das minhas lembranças mais longínquas do Quitexe, recordo-me da época em que havia meia dúzia de casas e da união entre as pessoas. Éramos uma espécie de família alargada, com temperamentos diferentes, mas de uma solidariedade e interacção que só quem passou por Angola pode entender.
Ao fim de semana, duas ou três famílias juntavam-se e rumavam à margem de um rio para o costumeiro pic-nic.
pic-nic na zona do Quitexe
Foto João Nogueira Garcia
Do menu pic-nic, fazia sempre parte a pescaria no rio. À falta das engenhosas canas de pesca, outro engenho surgiu - as bombas feitas pelo sr. Silva Fogueteiro .
O almoço era feito no local e mais para o meio da tarde os homens lançavam uma ou duas bombas para o rio. As mulheres e crianças dirigiam-se para um ponto a jusante onde houvesse pé e com grandes cestos da apanha do café, era só deixar entrar os peixes que vinham a boiar na corrente. O peixe era então distribuído por todos.
Pescaria no Rio Luquixe - Foto João Nogueira Garcia
Só mais tarde começou a aparecer pelo Quitexe um senhor numa carrinha de caixa aberta, com grandes caixas na carroçaria, onde trazia peixe envolto em camadas de gelo partido e que vinha de Luanda.
Eu gostava mais deste peixe do que do rio, pois o do rio tinha muitas espinhas. Mas do que eu mais gostava mesmo era ir comer (sem a minha mãe dar conta) umas funjadas com os criados. Ainda hoje o meu prato favorito é uma boa funjada de peixe seco ou uma moambada de galinha. Como tive o privilégio de partilhar estas iguarias com quem mais entendia delas, até aos meus 19 anos de idade, comi sempre o funge com as mãos. Asseguro-vos que tem outro paladar comer o funge à mão, tal como o frango de churrasco. Quando comecei a namorar e para que não me julgassem algum troglodita, passei a comer mais “civilizadamente”.
António Guerra